Por José Anibal Azevedo Marques
“Vergonha para o povo”, “poderia ter deixado a vaga para uma outra atleta”, “teve muita coragem em se posicionar”, “não representa seu país”, “precisamos de mais atletas trazendo a dura realidade da pressão sofrida quando se trata do esporte de alto rendimento”. Muito se falou sobre os posicionamentos de Naomi Osaka e Simone Biles, duas figuras de relevância para o esporte mundial da atualidade, ao decidirem interromper a participação nos Jogos Olímpicos de Tokyo.
Apesar de não concordar com o tratamento negativo dado a esses episódios e tantos outros que ocorreram no passado e, de fato, entender que é necessário falar sobre o assunto de forma aberta e sem preconceito, seguirei por um outro caminho para abordar tão importante questão.
O que é possível fazer para diminuir a ocorrência de fatos como esse? É possível preparar um atleta para lidar com esta pressão? Podemos ter controle sobre a pressão depositada na expectativa de uma medalha olímpica? Seria a pressão a significação subjetiva de uma atleta perante a tarefa que deverá desempenhar? Ou seria esta pressão a expectativa de um povo a depositar sua felicidade sob tutela do outro como se esse outro pudesse satisfazer os seus desejos?
Ser atleta de alto rendimento é tarefa árdua. Exige dedicação, comprometimento, disciplina e, principalmente, exige abdicar de muita coisa importante para a construção de relações sociais saudáveis especialmente quando falamos de adolescentes e adultos jovens, maioria do público participante dos Jogos Olímpicos. As relações de amizade, as paqueras, as festas dos amigos da escola, tudo isso é deixado de lado em função de um objetivo que, muitas vezes, não é construído conjuntamente com o atleta ou a partir dele. Preparar-se para um ciclo Olímpico significa dedicar-se durante quatro anos para ser posto a prova em alguns dias e, dependendo da modalidade praticada, em alguns minutos.
O contato próximo ao atleta, a escuta sobre questões pessoais, o aconselhamento em relação às questões específicas apresentadas por ele, o treinamento de habilidades psicológicas e capacidades cognitivas, entre outros, são elementos sempre presentes na atuação do psicólogo do esporte, mas é necessário que o trabalho seja feito sistematicamente, dia dia, durante todo o ciclo de preparação, integrado às demais áreas da preparação, pois considerando que quem se prepara é o atleta, independente da modalidade ser individual ou coletiva, estamos falando de uma pessoa com grande potencial para o desempenho de uma determinada atividade, mas que também tem limitações, angústias e sofrimentos que deve lidar ao longo do tempo.
O trabalho de autorregulação psicofisiológica, a avaliação e o treinamento cognitivo por meio de tecnologia específica com aplicação prática aos treinamentos e competições – levar a campo o que está sendo trabalhado fora dele – aliado ao apoio afetivo-social e a construção da identidade como atleta, ponto essencial na preparação pois trata da consciência que o atleta tem de si próprio – seus potenciais e suas limitações – , são conteúdos fundamentais da atuação do psicólogo do esporte no alto nível e podem contribuir muito para que os atletas estejam mais bem preparados para lidarem com a adversidade.
É necessário compreender que a limitação ou incapacidade psicológica precisa ser cuidada como a limitação ou incapacidade física para um atleta, afinal, falamos da mesma unidade, do mesmo ser, do mesmo sistema complexo que é o organismo humano na expressão de sua existência. É necessário tratarmos a questão da pressão e do stress, da depressão e do Burnout no esporte com seriedade.
Naomi Osaka e Simone Biles foram valentes, ousadas e, acima de tudo, humanas.